Secas na África

A região do alerta vermelho, formada pela Somália, Djibuti e Etiópia e somada ao nordeste do Quênia – que embora não faça parte do Chifre, inclui-se entre os problemáticos –, tem enfrentado uma das piores secas das últimas décadas. Moradores afirmam que nunca viveram estiagem tão intensa e já perderam lavouras, animais e, não poucos, parte de suas famílias.

Segundo a ONU, mais de 10 milhões de africanos estão ameaçados pela fome e cerca de meio milhão de crianças correm risco de morte, caso nenhuma ajuda seja fornecida com urgência. A situação tem ainda piorado nos últimos meses, principalmente na Somália, onde uma entre dez crianças estão sob ameaça. Estimativas da Cruz Vermelha apontam que esse percentual era de metade em março deste mesmo ano.

Um dos dados mais alarmantes, no entanto, diz respeito à freqüência desses fenômenos. Enquanto ocorriam uma vez a cada década, passaram a acontecer a cada cinco anos e, mais recentemente, a cada dois anos. Uma das piores temporadas ocorreu em 2006, quando mais de 11 milhões de pessoas foram afetadas por uma fome generalizada (mais sobre a seca de 2006 no chifre africano).

Em reportagem da subsidiária portuguesa da Euronews, pode-se assistir à situação limite. O solo de Habaswein (norte do Quênia), por exemplo, ainda não recebeu nenhuma gota dela este ano. O que restou do gado foi levado pelos agricultores mais para o norte, em busca de água (em 2006, mais de 60% dos animais pereceram). Nas aldeias, só restaram mulheres, velhos e crianças. Assista aos vídeos recentes aqui e aqui.

Causas

Apesar de bastante conhecido, o fenômeno da fome africana ainda desperta uma série de dúvidas principalmente no que diz respeito às suas causas.

Além das mudanças no clima, pontuadas acima pelo aumento da frequência e da intensidade das últimas secas, os africanos ainda têm de conviver com os problemas relacionados à própria agricultura na região, caracterizada peça escassez de sementes, terras férteis e tecnologia de produção. Os que se arriscam na atividade ainda estão sujeitos às ameaças de pragas ou outras intempéries, como fortes chuvas ou inundações. E a cada um desses fenômenos os prejuízos para as comunidades são incalculáveis.

Às dificuldades de cultivo, somam-se ainda as doenças – com destaque para a AIDS –, que acabam por abater a força de trabalho das famílias, e os conflitos militares, que desorganizam as propriedades rurais. Mas, das causas mais pontuais, estudiosos apontam que a fome também pode ser relacionada ao sistema global de produção de alimentos, que favoreceria a dependência de certos países em relação às culturas de exportação, sem se concentrar também sobre produtos de subsistência e agricultura familiar. Mais sobre a teoria da dependência econômica aqui.

Outro ponto ainda estaria relacionado à divulgação do fenômeno na mídia, que nos últimos anos têm perdido espaço para questões menos urgentes. Todo esse esforço de mobilização seria fundamental para organizar ajuda humanitária voltada à região e minimizar os efeitos da fome. “Pode-se suspeitar, a partir da perspectiva dessas organizações jornalísticas, que o fato de 24 mil pessoas morrerem de fome a cada dia não representa uma notícia suficientemente importante. Quando 1.386 pessoas morreram com o furacão Katrina, a cobertura de notícias foi enorme”, enfatiza o portal East África Famine.

Ajuda, sim, mas qual?

Nesses momentos de grande necessidade, a ajuda humanitária internacional, também conhecida como AID (em inglês) é indispensável.

Mas quando de trata de resolver o problema em definitivo, existe outro tipo de AID que amarga um histórico pouco convincente. Trata-se do dinheiro transferido por países ricos, agências e órgãos multilaterais diretamente aos governos locais. Foram mais de US$ 2,3 trilhões injetados na África até hoje. Como se vê, com parcos resultados.

São muitas as razões para esse fracasso, mas o economista William Easterly, ex-executivo do Banco Mundial, tem um jeito muito claro de explicar a situação, comparando-a a uma relação de consumo: “Diferentemente de quando você compra uma lata de Pepsi, os pobres não tem o direito de reclamar ou de devolver o produto se eles não gostarem. Não existe feedback da população”.

De um lado, beneficiários que não detém o controle social sobre a aplicação do dinheiro-ajuda. De outro, contribuintes dos países doadores também não se interessam muito pelos resultados do AID. “Basta para eles saber que X dinheiro foi doado à África”, diz Easterly. Nesse longo caminho entre a doação e a transformação social, o dinheiro vaza, diz o especialista, em custos administrativos, burocracia, altos salários em na corrupção pura e simples.

Dambisa Moyo, também economista e autora do livro How There is a Better Way For Africa, destaca que a falta de transparência, e a opção por injetar recursos diretamente nos governos, tornou o AID intensamente corruptível. Além disso, diz ela, os recursos de doação passaram a ser considerados como renda fixa pelos países beneficiados, o que gera mais inflação e desestimula o investimento no setor privado.

Segundo Moyo, apenas a geração de empregos a partir de uma economia auto-sustentável é capaz de reduzir a pobreza. “Não existe nenhum país hoje no mundo que tenha atingido desenvolvimento econômico baseado em AID. Nenhum. E ainda assim nós continuamos empurrando um produto que sabemos que não funciona”.

Foto: Jovem músico toca o k’ra, instrumento tradicional da Etiópia. Crédito: Steve Evans

Fonte: Mercado Ético

 
 

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