A história da Cachaça

Cachaça, pinga, cana ou caninha é o nome dado à aguardente de cana, uma bebida alcoólica tipicamente brasileira. É usada como coquetel na mundialmente conhecida “caipirinha”. É obtida com a destilação do caldo de cana de cana-de-açúcar fermentado. A fermentação do melaço, também utilizada, também dá origem ao rum. A cana-de-açúcar, elemento básico para a obtenção, através da fermentação, de vários tipos de álcool, entre eles o etílico. É uma planta pertencente à família das gramíneas (Saccharum officinarum) originária da Ásia, onde teve registrado seu cultivo desde os tempos mais remotos da história.

A cachaça é uma bebida de grande importância cultural, social e econômica para o Brasil, e está relacionada diretamente ao início da colonização portuguesa do país e à atividade açucareira, que, por ser baseada na mesma matéria-prima da cachaça, possibilitou a implantação dos estabelecimentos cachaceiros.[3]

Os primeiros relatos sobre a fermentação vem dos egípcios antigos. Curam várias moléstias, inalando vapor de líquidos aromatizados e fermentados, absorvido diretamente do bico de uma chaleira, num ambiente fechado. Os gregos registram o processo de obtenção da acqua ardens. A “água que pega fogo” – “água ardente” (al kuhu). Alquimistas tomam conhecimento da “água ardente”, atribuindo-lhe propriedades místico-medicinais. Transforma-se em “água da vida”, e a eau de vie (termo francês para “água da vida”) é receitada como elixir da longevidade.

A aguardente, então, vai da Europa para o Oriente Médio, pela força da expansão do Império Romano. São os árabes que descobrem os equipamentos para a destilação, semelhantes aos que conhecemos hoje. Eles não usam a palavra al kuhu e sim al raga, originando o nome da mais popular aguardente da península Arábica: arak, uma aguardente misturada com licores de anis e degustada com água. A tecnologia de produção espalha-se pelo Velho e pelo Novo Mundo. Na Itália, o destilado de uva fica conhecido como grappa. Em terras Germânicas, se destila a partir da cereja o Kirsch; na antiga Tchecoslováquia, atualmente dividida em República Tcheca e República Eslovaca, a destilação da Sleva (espécie de ameixa) gera a slevovice (lê-se “eslevovitse”). Na Escócia, se populariza o whisky, destilado da cevada sacarificada. No Extremo Oriente, a aguardente serve para esquentar o frio das populações que não fabricam vinho. Na Rússia a vodca, de centeio. Na China e no Japão, o saquê, produzido a partir da fermentação do arroz, é frequentemente confundido com uma aguardente devido ao seu elevado teor alcoólico, mas é, na verdade, um vinho. Portugal também absorve a tecnologia dos árabes e destila, a partir do bagaço de uva, a bagaceira.

Já em 1530 os primeiros donatários portugueses decidem começar empreendimentos nas terras orientais do Novo Mundo, implementando o engenho de açúcar com conhecimento e tecnologia adquiridos nas Índias Orientais, vindas do sul da Ásia. Assim, surgem, na nova colônia portuguesa, os primeiros núcleos de povoamento e agricultura.

A geração inicial de colonizadores portugueses no Brasil apreciava a bagaceira portuguesa e o vinho do porto. Assim como a alimentação, grande parte da bebida era importada da metrópole portuguesa. Em algum engenho de açúcar, foi, então, descoberto o vinho de cana-de-açúcar, que é o resultado do caldo de cana fermentado, como também dos subprodutos da produção do açúcar, como as espumas e o melaço misturados à água. É uma bebida limpa, em comparação com o cauim – vinho produzido pelos índios, no qual todos cospem num enorme caldeirão de barro para ajudar na fermentação da mandioca. Os senhores de engenho passam a servir o tal caldo, denominado cagaça, para os escravos. Em 1584, o Memorial de Gabriel Soares de Sousa faz referências a “oito casas de cozer méis” na Bahia.

Dos meados do século XVI até metade do século XVII, as “casas de cozer méis” se multiplicam. Inicialmente “casa de cozer méis” era o nome dado aos engenhos produtores de açúcar e, posteriormente, foi também aplicado aos alambiques produtores de cachaça. O primeiro registro histórico da cachaça aparece apenas na década de 1620 na Bahia, coincidindo com o rum nas possessões inglesas nas Américas, da aguardiente de caña nas espanholas e da tafia nas francesas. Ou seja, a cachaça, o rum, a aguardiente de caña e a tafia foram todas criadas a partir dos mesmos subprodutos da produção de açúcar: o melaço e as espumas.[2] . A cachaça torna-se moeda corrente para compra de escravos na África. Alguns engenhos passam a dividir a produção entre o açúcar e a cachaça. A descoberta de ouro nas Minas Gerais traz uma grande população de migrantes, vinda de todos os cantos do país, que constrói cidades sobre as montanhas frias da Serra do Espinhaço. A cachaça ameniza a temperatura.

Incomodada com a queda do comércio da bagaceira e do vinho portugueses na colônia e alegando que a bebida brasileira prejudica a retirada do ouro das minas, a Corte proíbe, a partir de 1635, por várias vezes, a produção, comercialização e até o consumo da cachaça. Sem resultados, a Metrópole portuguesa resolve taxar o destilado. Em 1756, a aguardente de cana-de-açúcar foi um dos gêneros que mais contribuíram com impostos voltados para a reconstrução de Lisboa, destruída no grande terremoto de 1755. Para a cachaça, são criados vários impostos conhecidos como subsídios, como o literário, para manter as faculdades da Corte.

Com o passar dos tempos, melhoram-se as técnicas de produção. A cachaça é apreciada por todos. É consumida em banquetes palacianos e misturada ao gengibre e outros ingredientes, nas festas religiosas portuguesas – o famoso quentão. Devido ao seu baixo valor e associação às classes mais baixas (primeiro, os escravos; e depois, os pobres e miseráveis), a cachaça sempre deteve uma aura marginal. Contudo, nas últimas décadas, seu reconhecimento internacional tem contribuído para diluir o índice de rejeição dos próprios brasileiros, alçando um status de bebida chique e requintada, merecedora dos mais exigentes paladares.

 
 

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